Política e Polícia 07/06/2023

Bolsonaro e seu ajudante de ordens: a inversão dos valores militares

Os escândalos do ex-mandatário não param de aparecer. Não bastassem as joias, agora temos a carteira de vacinação, provavelmente falsificada para que ele pudesse ingressar nos EUA, onde se recolheu por longos três meses, acovardado por não ter a coragem moral de enfrentar as consequências de suas ações

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Glauco Silva de Carvalho

Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na cidade de São Paulo

No mês passado, o Brasil se viu acossado por mais um escândalo da família Bolsonaro. No dia 3 de maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal autorizou pedido da Polícia Federal para realizar mandado de busca e apreensão na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro e de prisão de alguns de seus ex-assessores.

O mote principal foi um esquema de falsificação, ou seja, os suspeitos teriam inserido dados falsos sobre a vacinação contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde, entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.

A Polícia Federal aponta o tenente-coronel Mauro Cid, que foi, talvez, o principal ajudante de ordens do presidente (isto porque o presidente possui, também, um ajudante de ordens da Aeronáutica e um da Marinha, que se revezam na função) como o responsável pela quadrilha que pôs em andamento a fraude contra o sistema público de saúde. Foram presos os militares Mauro Cid, Luis Marcos dos Reis (também ex-ajudante de ordens) e os seguranças Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro, dentre outros políticos.

No caso de Bolsonaro, a inserção de dados ocorreu em 21 de dezembro de 2022, como se ele tivesse recebido duas doses da vacina Pfizer. Na residência de Mauro Cid foram apreendidos US$ 35 mil (cerca de R$ 175 mil) e R$ 16 mil.

Bolsonaro destrói a imagem do segmento militar no Brasil. Ao contrário do que muitos de nossos colegas alegam e apregoam, sua passagem pela Presidência do Brasil foi uma tragédia em todos os sentidos. Mesmo como ex-mandatário, os escândalos não cessam de aparecer. Não bastassem as joias, agora temos a carteira de vacinação, provavelmente falsificada para que ele pudesse ingressar nos Estados Unidos, onde permaneceu autorrecluso por longos três meses, acovardado por não ter a coragem moral de enfrentar as consequências de suas ações.

Um presidente medíocre, sem a mínima formação intelectual que se exige para alguém exercer cargo de tamanha distinção e, ademais, sem o menor pudor moral para infringir a lei, as normas de boa convivência e os padrões éticos mínimos a reger a sociedade. Bolsonaro deixa um rastro de tragédia e desgraça por onde passou.

Mas minha maior indignação diz respeito ao estrago que ele deixa para as instituições Polícias Militares e Forças Armadas. O que faz um tenente-coronel do Exército com 35 mil dólares em casa, mais outro quantitativo em reais? Quem mantém tamanha soma de dinheiro, em espécie, em sua residência? Para que serviria? Qual a origem? Qual a procedência? Por que fraudou as carteiras de vacinação?

Ademais, tão ou mais vergonhosas são as conversas havidas em que o tenente-coronel Cid insinua a necessidade de um golpe para obstar a assunção do novo presidente eleito. Desabrocha-se, assim, o que realmente foi o governo Bolsonaro.

Por fim, se as matérias veiculadas estiverem corretas, não me parece acertada a decisão do Alto Comando do Exército em não abrir procedimento administrativo contra os militares envolvidos. Por uma razão muito simples, as instâncias administrativas — como se aprende no primeiro ano de Direito Administrativo, seja nas Academias Militares, seja nas faculdades de Direito — independem das apurações havidas, seja no âmbito da Justiça comum, seja no âmbito da própria Justiça castrense.

Explico melhor. A apuração administrativa tem por escopo avaliar se a conduta adotada por profissional qualquer, em âmbito interno, está adequada aos padrões que a própria instituição está a exigir dele. O que me parece é que o Comando do Exército quer lavar as mãos e deixar para a Justiça comum e a Polícia Federal apreciarem os fatos. No limite, abdicou de sua supremacia e sua autonomia em dizer se a conduta de Cid é correta ou não segundo os parâmetros da Força. É a subsunção ao poder civil pelo pior dos ângulos: o de escamotear condutas irregulares e ofensivas à honra militar.

No caso em tela, deveria, por sua gravidade, ser instaurada sindicância para avaliar, de imediato, quais as responsabilidades de Cid. Constatando-se os fatos e exibindo-se as provas, instaurar o chamado Conselho de Justificação, que é, também, um procedimento administrativo, corroborado ao final por decisão da Justiça Militar, em retirar a patente de oficial por conduta desonrosa. Parece-me, neste ponto, o mais indicado para o caso.

Mas, segundo as matérias veiculadas, o que se vislumbra é o desfecho da investigação civil, correta e apropriada. Se ele receber mais de dois anos de pena privativa, perde o cargo público. Assim, o Exército lava as mãos do caso. Confesso que é uma tremenda decepção para mim. Espero que, por questão de isonomia, a mesma conduta seja adotada quando as praças (soldados, cabos e sargentos) atuarem de forma congênere.

Pobre País.

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