Política e Polícia 28/09/2022

Barbárie x Civilização: as Eleições e 2022

Estamos numa encruzilhada: entre o céu e o inferno; entre a civilização e a barbárie; entre o ódio e a compreensão; entre a anulação e a aceitação. É disso que se trata

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Glauco Silva de Carvalho

Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na Cidade de São Paulo

Estamos às vésperas de uma das eleições mais disputadas, controversas e odientas que o País viu nestes últimos 40 anos de redemocratização. O Brasil, que não mais é o palco da “cordialidade” a que um dia Sérgio Buarque de Holanda se referiu — se é que em algum momento o foi —, transformou-se, isto sim, em uma arena de guerra, de vilipêndio, de ódio, de segregação, de contenda, de preconceito. Não pretendo me estender por demais neste artigo. Não há o que festejar. Vivemos um período de trevas que deixará seu rastro por muito, muito tempo.

Também não quero atribuir a um único agente, a um único ator, todo o quadro por que passa o Brasil. Seria, de um lado, atribuir-lhe uma importância que ele não tem; de outro, seria irresponsável e injusto de minha parte. Existe, de fato, um percentual, que não é pequeno, de pessoas possuídas pelo ódio, pelo rancor e pelo desprezo a quem pensa diferente. Esse ódio, não raras vezes, beira o desejo de morte de outrem.

Sim, estou falando de eleições e de Bolsonaro. Por questões éticas, nunca indiquei ou mencionei qualquer candidato a ser votado. E não será agora que o farei. Parte dessa minha postura se deve a minha formação. Venho de uma geração em que a política ainda passava razoavelmente longe dos quarteis de Polícia Militar. Essa linha foi se tornando cada vez mais tênue nestes 40 anos, até chegarmos aonde chegamos. Mas acredito na democracia e nas soluções e saídas que ela pode encontrar para se autopreservar. A reconstrução do País não será tarefa fácil nem rápida. Vamos, talvez, levar gerações para retornar ao ponto que em estávamos em nossa caminhada rumo a uma democracia estável e madura. Eu mesmo, antes deste turbilhão, achava que vivíamos uma democracia inquebrantável. Vimos que não é bem assim…

Pois bem, o que quero demonstrar é que estamos numa encruzilhada: entre o céu e o inferno; entre a civilização e a barbárie; entre o ódio e a compreensão; entre a anulação e a aceitação. É disso que se trata.

Gostaria de dar quatro razões para evidenciar o que digo.

Em primeiro lugar, Bolsonaro foi um péssimo militar. Péssimo, repito! Não soube respeitar as regras da caserna. Não soube respeitar seus superiores hierárquicos, base e fundamento das instituições militares, ao lado da disciplina. Não soube respeitar as disposições do Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro, nem mesmo o Código Penal Militar.

Bolsonaro, 35 anos atrás, desonrou sua Instituição, algo muito grave para os padrões de organizações militares. Com suas atitudes, posturas e posições, contrariou as decisões do Alto Comando do Exército; cuspiu nos preceitos regulamentares, ao tentar sublevar a tropa; dificultou a transição democrática, ao fazer parecer que a cúpula das Forças Armadas não tinha controle sobre seus efetivos; conspurcou contra a democracia, ao tentar destruí-la. Não merece respeito por tais atitudes, visto que nunca soube viver em democracia.

Em segundo lugar, corolário do aspecto anterior, está sua relação com a democracia. Sua relação, aliás, é péssima, diga-se de passagem. Por todos esses anos, suas atitudes, suas ações e suas posturas sempre atentaram contra a democracia. Pediu a morte do presidente Fernando Henrique Cardoso; achou que se matou pouco no período 1964-1985; ressaltou e enalteceu tiranias e ditaduras; idolatrou ditadores; pediu o fechamento do Congresso Nacional; humilhou adversários.

Bolsonaro cresceu e floresceu nas sombras. Pegou a rebarba das falhas da democracia brasileira e as falhas da esquerda nacional para prevalecer e se solidificar. Nunca construiu um partido político. Nunca formatou uma linhagem de pensamento, visto que pensar talvez não seja seu principal ativo. Nunca representou corrente político-social majoritária no País, até 2018. As lacunas de poder e as falhas de dirigentes políticos nacionais inapetentes para o que realmente é a política nacional levaram-nos a esta catástrofe histórica.

Em terceiro lugar, Bolsonaro não sabe o que é civilidade, o que é respeito, o que é convivência. Nunca soube respeitar o diferente. Nunca soube tratar com civilidade e educação aqueles que têm posições contrárias às suas. Nunca soube conviver com pessoas, políticos, parlamentares e líderes com opiniões adversas às suas. Suas altercações e diatribes radicais e virulentas contra seus “inimigos” sempre foram uma marca registrada de sua simplória carreira política.

Não há espaço para esse tipo de político no Brasil. Talvez não haja em qualquer país do mundo, visto que não se faz Política dessa forma. O Brasil se apequenou com ele.

Em quarto lugar, o trato de seu governo em relação à pandemia da Covid foi uma tragédia, malgrado a própria pandemia ser a tragédia em si. Seu governo foi um fracasso por completo. De tentativas de subverter a lei e a ordem, por ele tanto apregoada; de perpassar limites e divisas em relação a outros poderes; de driblar imposições jurisdicionais do Poder Judiciário; de questionar a legitimidade da lei, para poder burlá-la.

Bolsonaro é a tragédia em si.

O País retrocedeu 40 anos.

Pior: após as eleições, vindo um governo com posições radicalmente antagônicas ao governo Bolsonaro — o que é bastante razoável —, virá a revanche, não querida ou desejada, mas previsível, conhecendo o ser humano como conhecemos.

As relações entre militares e civis no Brasil não são políticas, são psicanalíticas.

Boa votação.

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