Política e Polícia 27/03/2024

A sombra do escudo: o alto custo humano da segurança em São Paulo

As Operações Escudo e Verão refletem a política de segurança pública vigente no Estado, que opta por um caminho de confronto, resultando em consequências cada vez mais devastadoras para a sociedade e o bem-estar dos policiais

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Ariadne Natal

Doutora em sociologia, pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt (PRIF), Pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da USP

As Operações Escudo e Verão, implementadas em 2023 e 2024 no litoral de São Paulo, têm suscitado comparações inquietantes com o Massacre do Carandiru devido ao alto índice de letalidade, o mais significativo nos últimos 30 anos. Essas operações ocorrem em um contexto que não só rompe a tendência de queda na mortalidade decorrente de intervenções policiais que vinha ocorrendo desde 2021, mas também marcam um aumento no número de policiais mortos, indicando uma escalada na violência que chama a atenção e enseja a urgência de uma avaliação crítica das táticas empregadas.

A tônica dessas operações denuncia uma estratégia de segurança pública que se ancora na projeção de força como seu pilar central. A presença policial, longe de ser apenas um elemento de dissuasão, assume uma postura ativamente agressiva sob o manto do combate ao crime organizado. Todavia, esse enfrentamento vem com um custo humano muito alto, desafiando os princípios de proporcionalidade e efetividade e expondo à letalidade não só os civis mas também os encarregados da lei.

O litoral de São Paulo se tornou palco de uma tragédia dupla: civis e policiais são vítimas em um teatro de guerra urbana. Dados coletados pela imprensa revelam que quatro policiais da ativa foram assassinados no contexto dessas operações. Desses, a maior parte não era formada por residentes ou mesmo lotados nas cidades litorâneas, mas deslocados de unidades especializadas de São Paulo. Três deles estavam vinculados a batalhões especializados (ROTA e o BAEP), enquanto o quarto pertencia a um batalhão regular. Esse perfil sugere que os policiais mortos estavam em terreno não familiar, fator que potencialmente contribuiu para sua vulnerabilidade e ocorrências fatais.

A prática de alocar policiais em regiões às quais não estão familiarizados, com geografia e urbanização diferentes, enfrentando redes de crime organizado complexas, representa uma estratégia que pode colocar em risco a vida de civis e de policiais. Tal tática pode ter contribuído para o aumento das fatalidades, sugerindo que a estratégia atual pode estar, paradoxalmente, fomentando o ciclo de violência que visa combater.

Para além dessas operações, a análise da série histórica dos últimos dez anos também é reveladora. Após um período de declínio na mortalidade policial a partir de 2020, uma inflexão ocorre em 2023. O gráfico ilustra que, sob a gestão de Tarcísio de Freitas, a curva das mortes de civis e de policiais registrou ascensão preocupante. Essa tendência ascendente nos dados não é um acaso estatístico, mas reflete as implicações diretas das políticas de segurança que foram adotadas.

Fonte: Dados trimestrais da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, agregação própria

Os dados sugerem ainda que existe uma correlação na flutuação dos dados de mortalidade policial e civil ao longo do tempo, revelando dinâmica complexa e perigosa: quanto maior o número de confrontos letais provocados pela polícia, maior o número de policiais que perdem a vida. Essa relação simbiótica e fatal sugere uma reação em cadeia e revela um ambiente cada vez mais perigoso, não apenas para os cidadãos envolvidos, mas também para os policiais em serviço.

As Operações Escudo e Verão refletem a política de segurança pública vigente no Estado, que opta por um caminho de confronto, resultando em consequências cada vez mais devastadoras para a sociedade e o bem-estar dos policiais. O incremento na mortalidade de ambos os grupos sugere que uma estratégia primariamente baseada na força bruta não só se mostra ineficaz, mas igualmente danosa. As táticas adotadas têm elevado os riscos tanto para policiais quanto para civis, sem que haja uma melhoria proporcional na segurança pública, o que suscita questionamentos sobre a essência dessas estratégias.

O saldo sangrento dessas operações deve fomentar um apelo urgente por uma revisão e reestruturação das políticas de segurança, favorecendo abordagens que minimizem a exposição de policiais e civis ao uso de força letal e reduzam a intensa vulnerabilidade a que estão submetidos. É imprescindível lutar uma política de segurança que priorize o respeito pela vida e que valorize a inteligência operacional em vez de recorrer indiscriminadamente ao emprego da força.

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