Luis Flavio Sapori
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A polícia penal foi recentemente instituída na sociedade brasileira. Trata-se de organização responsável não apenas pela custódia dos presos, como também deve assumir atribuições no que diz respeito ao cumprimento mais amplo da Lei de Execução Penal. É preciso reconhecer que o viés policial da organização não permite que seja vista como isenta do compromisso com a ressocialização e consequente reinserção social dos presos. Ao contrário, os policiais penais estão umbilicalmente envolvidos na difícil e nobre tarefa de “recuperar e punir”, conforme expressão utilizada pelo saudoso Antônio Luiz Paixão.
De modo geral, é possível afirmar que prevalece o baixo grau de profissionalização dos policiais penais no território nacional, ressalvadas algumas exceções. São poucos os estados brasileiros que estabelecem remunerações salariais compatíveis com os riscos inerentes ao exercício profissional, além da ausência recorrente de planos de cargos e salários. O que dizer então da formação e treinamento, procedimentos ainda muito incipientes em boa parte da federação? O instituto da carreira profissional ainda está por ser construído.
Esse diagnóstico realista explicita os enormes desafios a serem enfrentados pelo país no que tange à consolidação de um sistema prisional minimamente civilizado. Não basta construir presídios e realizar concursos para policiais penais. A qualificação e valorização desses profissionais é imprescindível. E, nesse sentido, o cuidado com a saúde mental deve merecer atenção especial.
O assunto veio ao debate público, inclusive, na última semana de janeiro do corrente ano. Conforme reportagem do Jornal O Povo, de Fortaleza (CE), o número de policiais penais afastados por problemas psicológicos no estado do Ceará ao longo de 2021 cresceu 76% em relação ao ano anterior. Pouco mais de 10% de todo o contingente da polícia penal cearense esteve afastado das tarefas cotidianas por licença médica no ano passado. Não há como ignorar a gravidade desse dado. E as poucas evidências empíricas disponíveis nos permitem afirmar que o fenômeno não se restringe àquele contexto regional. Tem dimensão nacional.
Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV (NEB FGV-EAESP) no segundo semestre de 2020, focada no impacto da pandemia da COVID-19 no trabalho dos policiais penais em todo o país, revela como a saúde mental desses profissionais tem sido afetada negativamente. Cerca de 82% dos entrevistados afirmaram que a pandemia aumentou a tensão na relação cotidiana com os presos, com alterações na forma de interação com eles, quais sejam: ausência de contato físico e, consequentemente, distanciamento dos(as) presos(as); rotinas de cuidados pessoais e coletivos (uso de EPIs); redução dos atendimentos e visitas familiares; reorganização da rotina, com interrupção das atividades socioeducativas; sensação de estresse, medo e tensão nas relações com os(as) presos(as); sentimento de empatia com a situação dos(as) presos(as) da unidade . Como consequência direta, os policiais penais entrevistados, em torno de 74%, relataram o aumento dos sentimentos de medo e desesperança, além do maior estresse e da experiência de transtornos de ansiedade. Entretanto, somente 5 % dos entrevistados relataram terem recebido algum tipo de apoio institucional para lidarem com tais situações.
A despeito da pesquisa citada referir-se ao período da pandemia, lideranças nacionais da categoria reconhecem que os problemas de saúde mental, com reflexo na incidência de suicídios, sempre existiram em intensidade preocupante. Eis um tema que deve merecer cada vez mais a atenção das autoridades estaduais e nacionais da segurança pública, e por uma simples razão – não há como construir uma sociedade mais justa e menos violenta colocando em segundo plano a dignidade, autoestima e motivação dos policiais. Parafraseando meu prezado amigo Ricardo Balestreri, os policiais devem ser concebidos como verdadeiros pedagogos da cidadania, merecendo, portanto, constar entre as prioridades das políticas de segurança pública.
Prevalece o oposto, infelizmente, no nosso cotidiano. Os policiais, incluindo os penais, tendem a ser tratados como inimigos da cidadania. São algozes a merecer, supostamente, o desprezo e a rejeição. A consequência disso é o crescente distanciamento entre polícia e sociedade. Quem se beneficia disso é a criminalidade.
Finalizo reforçando o argumento no sentido de que temos à nossa frente um desafio portentoso, qual seja, viabilizar um sistema prisional que esteja de acordo com os preceitos da Lei de Execução Penal. E, para tanto, a valorização dos policiais penais é imprescindível, com especial cuidado para a saúde mental dos profissionais.