Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 10/08/2022

A queda das internações de adolescentes a quem se atribui ato infracional

O decréscimo de adolescentes internados atinge todo o país. Das 27 Unidades Federativas, 26 apresentam patamar negativo na variação da taxa de internações, com valores que variam entre -66,2% (Bahia) e -4,1% (Mato Grosso), considerando o período entre 2018 e 2021

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Betina Barros*

Doutoranda em Sociologia na Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Thais Carvalho

Graduanda em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. Estagiária do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) mostram que as medidas socioeducativas em meio fechado vêm caindo em todo o país com mais força a partir de 2018. De um total de 25.084 adolescentes internados em 2018 chega-se a 13.684 em 2021, o que significa uma queda considerável de 45,4%. De uma taxa de 85,9 adolescentes internados para cada 100 mil, passa-se para um patamar de 49,4 adolescentes a cada 100 mil, um decréscimo de 42,5%. Os dados indicam que a tendência de queda é semelhante entre homens e mulheres. Enquanto a quantidade total de meninos internados caiu 45,5%, a queda no total de meninas veio logo atrás, no percentual de 44,7%.

A curva do gráfico de evolução do número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa aponta que a queda não se deu na mesma intensidade nos quatros anos observados. O gráfico a seguir apresenta a série histórica da informação desde 1996 e permite tecer algumas análises.

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022

Conforme se observa, o número de internações vinha em uma constante de crescimento desde que os dados começaram a ser monitorados, ainda no final dos anos 1990. Em 2015, chegou-se ao ápice desse valor, com o total de 26.826 meninos e meninas no regime mais gravoso do sistema socioeducativo. Desde então, o dado vem caindo. Entre 2015 e 2017, observa-se um cenário de quase estabilidade, com variação negativa abaixo dos 2%. Em 2018, a queda se acentuou um pouco, chegando a -3,9%, o que se aprofundou no ano seguinte, quando foram 22.651 adolescentes internados, um percentual 9,7% menor do que no ano anterior.

É em 2020, contudo, que a situação muda de figura. A queda nos números absolutos chega a -31,9% e a -30,6% na taxa por 100 mil adolescentes. O decréscimo se aprofunda em 2021, com o valor caindo mais 11,3%, chegando ao total de 13.684 adolescentes internados. Em comparação com o valor máximo, referente ao ano de 2015, são 13.142 adolescentes a menos em medidas de internação.

Impressiona também o fato de se estar diante de um fenômeno nacional. O decréscimo de adolescentes internados atinge todo o país. Das 27 Unidades Federativas, 26 apresentam patamar negativo na variação da taxa de internações, com valores que variam entre -66,2% (Bahia) e -4,1% (Mato Grosso), considerando o período entre 2018 e 2021. Apenas o Rio Grande do Norte apresentou um patamar positivo na variação da taxa de adolescentes internados, com crescimento de 159,3%. Em São Paulo, por exemplo, estado que sempre liderou em termos de quantidade de medidas socioeducativas de internação, os valores totais caíram de 8.418 em 2018, para 7.494 em 2019, 5.075 em 2020 e 4.847 em 2021.

A situação de São Paulo é bastante significativa, uma vez que o estado é responsável por, em média, 34% do total de adolescentes internados no país. Nenhum outro estado chega sequer próximo desse patamar. Em sequência observa-se o Rio de Janeiro, onde, em 2021, estavam 6,4% das internações do país e Minas Gerais, responsável por 6,3% do total de adolescentes. Apesar disso, quando se observam as taxas de internação por 100 mil adolescentes de 12 a 20 anos, as UF que despontam são Acre (219,0), Distrito Federal (127,1), Rio Grande do Norte (117,0) e Espírito Santo (107,7). São Paulo ocupa a sétima posição, com taxa de 88,1 internações por 100 mil. A menor taxa de internação do país, em 2021, foi observada na Bahia (10,3).

Não se observam mudanças significativas na distribuição da população em relação ao sexo. Em 2021, 95,5% das medidas com restrição de liberdade eram de meninos e 4,5% de meninas. Essa divisão não difere daquela que se observa no sistema prisional. No mesmo ano, foram 94,5% presos homens e 5,5% mulheres.

Para traçar algumas hipóteses que expliquem essa queda sem precedentes, importa observar as situações que podem ter impactado no cenário da justiça juvenil dos últimos anos. A seguir, pontuam-se causas prováveis, ainda que não seja possível atribuir que fato deu origem ao fenômeno, dado que não foram realizadas pesquisas voltadas especificamente ao tema que permitam maior grau de certeza sobre o que explica a mudança.

Em março de 2020, logo após a decretação da pandemia de covid-19 pela Organização Mundial de Saúde, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação Nº 62 que recomenda a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que determinaram a internação provisória. Dessa forma, é possível que a normativa tenha surtido algum efeito na queda de internações observada entre 2019 e 2020, uma vez que os dados tomam como referência os meses de novembro, oito meses após o início da orientação.

Outro fator que pode ter contribuído para queda foi a decisão do Habeas Corpus coletivo nº 143.988/ES, datada de 21 de agosto de 2020, que determinou que as unidades de cumprimento de medida socioeducativa de internação não ultrapassassem a capacidade prevista para cada unidade. Sugeriu-se, assim, dentre outras ações, que fossem reavaliados os adolescentes que estivessem internados exclusivamente em razão de reiteração de infrações sem violência ou grave ameaça à pessoa e a conversão de medidas de internação em internações domiciliares, no caso das demais medidas não serem suficientes para a adequação da capacidade das unidades.

A queda do número de roubos também pode ter contribuído para a redução do número de internações.

Segundo o Levantamento do SINASE, os delitos contra o patrimônio são os principais responsáveis pela internação de adolescentes, sendo essa a configuração tradicional do sistema socioeducativo desde sua criação. Nesse sentido, vale destacar a diminuição dos crimes de roubo nos últimos anos no país.

Ainda que as hipóteses acima façam referência a mudanças nacionais no cenário do sistema socioeducativo e que, portanto, possam ter exercido algum tipo de influência na diminuição do número de internações de adolescentes, há que se fazer uma ressalva. Em diálogo com pesquisadores e profissionais que atuam na ponta do sistema socioeducativo – Defensores Públicos, ativistas e técnicos do sistema de diversos estados do país – é unânime a avaliação de que também se está diante de uma queda no número de apreensões de adolescentes pelo cometimento de ato infracional. A impressão compartilhada por esses atores é a de que a mudança mais expressiva está na porta de entrada do sistema, e não durante a instrução e execução das medidas. Ou seja, estar-se-ia diante de uma transformação mais na dinâmica de atuação das polícias do que propriamente na atuação dos Juízes e Promotores.

  • Texto em versão condensada. Para obter a versão originalmente publicada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, acesse: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2022/07/23-anuario-2022-a-queda-das-internacoes-de-adolescentes-a-quem-se-atribui-ato-infracional.pdf 

 

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