Múltiplas Vozes 07/05/2025

A PEC da Segurança Pública e as Guardas Municipais do Brasil

A Proposta de Emenda Constitucional consolida as mudanças político-jurídicos e institucionais havidas nas guardas municipais do país ao longo dos últimos 36 anos

Compartilhe

Eduardo Pazinato

Advogado da Associação de Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil) e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Professor Universitário, Coordenador Acadêmico da Nova Escola da Segurança Pública Municipal (NESP-M), Mestre em Direito (UFSC) e Doutor em Políticas Públicas (UFRGS)

Longe de se constituir em solução para os continentais desafios do campo da segurança pública brasileira, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de iniciativa do Poder Executivo federal, constitui medida relevante para a proposição de um debate que não pode mais ser adiado, com a legitimidade popular do Congresso Nacional, mesmo com os consabidos limites do modelo democrático-representativo.

A constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), proposto há mais de 20 anos, no primeiro mandato do presidente Lula, e já disciplinado pela Lei Federal no 13.675/2018, fortalece a necessidade imperiosa de avanços, mesmo que incrementais, na impostergável governança integrada efetiva das políticas públicas de segurança a partir da cooperação federativa, sistêmica e autônoma, de todos os órgãos operacionais do SUSP, incluindo as guardas municipais.

Inobstante o baixo caráter inovativo e os evidentes limites do texto encaminhado, em um contexto de enorme (e irracional) polarização política, diga-se de passagem, acirrados pelos déficits de legitimidade democrática do parlamento, a PEC apresentada pelo presidente da República, acolhendo proposição do ministro da Justiça e Segurança Pública, possui uma série de virtudes que deveriam dinamizar a sua aprovação:

  1. Consolida, no ordenamento jurídico nacional, a constitucionalização do SUSP alçado ao status de comando da norma jurídica hierarquicamente superior a todas as demais, o que, por óbvio, confere definitiva segurança jurídica e estabilidade institucional para o funcionamento do almejado Sistema Único de Segurança Pública, inspirado no que já ocorre em outras políticas públicas setoriais, a exemplo do Sistema Único de Saúde, a partir da gestão compartilhada de responsabilidades entre todos os entes federados;
  2. Incorpora, por força de decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, do Tema nº 656-RG, no âmbito do RE n˚ 608.588, a tese fixada pela Suprema Corte acerca da competência das Guardas Municipais como: “É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional”, pacificando também a importância do controle externo da atividade policial das Guardas Municipais pelo Ministério Público;
  3. Inclui no texto constitucional da segurança pública a relevância dos mecanismos de controle social (Ouvidoria e Corregedoria) e de participação social (Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social;
  4. Chancela, na hierarquia máxima das normas jurídicas do país, a autonomia e independência administrativa e funcional de todas as forças e órgãos de segurança pública integrantes do SUSP, sob a coordenação da União, incluindo no rol do art. 144 as guardas municipais – e ainda ausente a perícia, em estreita cooperação federativa entre todas as polícias e entes federados da República, evitando atos administrativos injustificados e nulos de pleno de direito como a recentíssima Portaria nº 088/COR-G/2025, publicada pela Corregedoria-Geral da Brigada Militar no final do mês de março do corrente, subordinando a atuação das guardas municipais gaúchas a Órgãos de Polícia Militar (OPM), em flagrante afronta ao entendimento constitucional do STF exarado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 995, no tema 656 de repercussão geral, como também, na inteligência das Leis Federais nos022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais) e 13.675/2018 (Lei do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP), regulamentando, respectivamente, os §§ 8º e 7º da Constituição Federal;
  5. Explicita a competência exclusiva da União na coordenação do referido SUSP, vedando o contingenciamento dos Fundos Nacionais de Segurança Pública e Política Penitenciária, com o objetivo de garantir recursos para apoiar projetos, atividades e ações em conformidade com a política nacional de segurança pública e defesa social.

Embora a PEC não configure nenhuma novidade fática – e apesar das fake news propagadas antes mesmo da sua publicização, como aquela que se espraiou nas redes sociais e na arena política da suposta (e imaginária) perda de autonomia do ente federado Estado na gestão das polícias estaduais –, ela contribui para (re)orientar o debate nacional em torno da premência do aprimoramento da segurança pública, consolidando, no texto constitucional, as mudanças político-jurídicas e institucionais havidas nas guardas municipais do país ao longo dos últimos 36 anos de vigência da Constituição Federal de 1988.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES