Cássio Thyone Almeida de Rosa
Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal
No último dia 5, a Folha de S. Paulo publicou matéria que trazia um importante alerta referente a armas de uso restrito não recadastradas pelos seus proprietários. O recadastramento é exigência consolidada por uma portaria publicada pelo governo Lula, na época em que o Ministério da Justiça e Segurança Pública era comandado por Flávio Dino. Essa portaria determinou que todas as armas obrigatoriamente fossem recadastradas no sistema da Polícia Federal. Especificamente as armas de uso restrito precisam passar por uma segunda etapa, devendo ser apresentadas pelo proprietário ao órgão fiscalizador, na figura da autoridade policial.
A matéria apontou que quase 7,6 mil armas de uso restrito adquiridas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) durante o governo anterior, cerca de 15% do total, não foram cadastradas ou não tiveram concluídos os processos obrigatórios de recadastramento na Polícia Federal.
O armamento considerado de uso restrito é autorizado apenas para Forças Armadas, instituições de segurança pública e pessoas físicas e jurídicas autorizadas pelo Exército, como os chamados CACs.
Tais armas incluem fuzis, carabinas e pistolas, cujo paradeiro não foi comprovado pelos proprietários da PF. Esse é, sem dúvida, o ponto mais grave dessa constatação, já que esse verdadeiro arsenal pode, inclusive, estar em circulação nas mãos do crime organizado. A matéria ainda informa que especialistas veem na atual gestão uma morosidade quanto ao tema. Enquanto isso, as armas seguem sem ser localizadas.
Sem isso, deixamos de abordar de modo eficaz o objetivo principal que a norma buscou: a retomada do controle sobre as armas adquiridas durante o governo anterior, que, por meio de decretos, incentivou o armamento da população, ampliou o acesso a calibres mais potentes e enfraqueceu os mecanismos de fiscalização.
Os números exatos apresentados na matéria informam que foram recadastradas 939.559 armas de CACs, das quais 44.276 eram de uso restrito. Desse último grupo, 42.848 foram apresentadas pessoalmente pelos proprietários, como exigido na segunda etapa do processo previsto na norma. Mas, até o ano de 2022, foram adquiridas 50.432 armas de uso restrito por parte dos CACs, segundo o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, do Exército. Dessa forma, 7.584 seguem sem comprovação de paradeiro, o que representa assim os 15% mencionados.
A sanção prevista na portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública prevê a apreensão de arma e infrações administrativas e penais em casos de ausência de recadastramento. Ocorre que a efetivação dessa previsão ainda é objeto de estudo para publicação de uma nova norma. O que falta é a definição das medidas que poderão ser tomadas. Uma das propostas em estudo é que o responsável seja alvo de busca e apreensão, e haja abertura de inquérito. Isso ocorreria somente após notificação e prazo de 60 dias para a entrega voluntária à campanha do desarmamento ou à transferência para alguém que atenda aos critérios legais.
Aqui começamos a pensar em como poderia se dar a participação dos órgãos de perícia nesse contexto. Abertos inquéritos e eventualmente apreendidas armas de fogo, o cumprimento do Código de Processo Penal exigirá que essas armas sejam encaminhadas para exame pericial. Serão exames que incluirão a descrição e identificação desse armamento, com a caracterização exata de seu número de série, além de exames de eficiência, que buscam comprovar se a arma se encontra apta a produzir disparos e em plena condição de funcionamento de todos os seus mecanismos.
Além dessa contribuição, há que se considerar que parte dessas armas questionadas nunca será apresentada, já que podem ter sido desviadas para o crime organizado. Eventualmente, envolvidas em ocorrências futuras, poderão ser recuperadas e assim examinadas nos setores de balística. Importa lembrar que a perícia balística dispõe de tecnologia capaz de, em muitos casos, recuperar numerações de série de armamentos cuja numeração foi raspada ou regravada (são utilizados tanto para reagentes como para equipamentos próprios).
Faz-se necessário também seguir uma tendência observada nos últimos anos nos setores de perícia balística dos órgãos oficiais dos estados e da Polícia Federal, que é o investimento na consolidação do Banco Nacional de Perfis Balísticos (BNPB), base de dados que registra informações de munição de armas de fogo usadas em crimes. O BNPB é parte do Sistema Nacional de Análise Balística (SINAB), integrado por todas as unidades federativas do país. Sua consolidação passa por um incremento em pessoal qualificado para alimentar e manter esse banco de dados, algo não tão simples quanto parece, em especial pelas dificuldades e entraves ainda presentes em muitos estados da federação.
A própria Polícia Federal vai precisar de um reforço importante em seu efetivo para exercer seu papel no controle de armas na forma prevista nas normas.
Especialista na área, Roberto Uchôa, um dos conselheiros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra-nos de que o arsenal não apresentado pelos CACs é capaz de armar uma brigada inteira do Exército brasileiro e deveria motivar respostas energéticas por parte do governo federal e das instituições responsáveis, como investigações e fiscalizações imediatas. É o que esperamos!