Profissão Polícia

A lógica do controle da atividade policial

Verifica-se, na Polícia Militar, que algumas atividades são objeto de grande regulamentação; em outras, nota-se um vácuo legal. Sem responsabilidade institucional, não se pode esperar mudança nas práticas individuais

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Gilvan Gomes da Silva

Profissão Polícia

Algumas notícias acerca de punições de policiais e bombeiros militares repercutiram nacionalmente na última semana. Um sargento do CBMDF foi punido com dois dias de prisão por ter a arma particular furtada. O ato punitivo, resultado de uma sindicância, foi anulado pela Auditoria Militar do Distrito Federal. Já a punição de um ano de detenção a um policial militar do DF por não lavar a viatura foi homologada pelo TJDFT por crime militar de desobediência. As punições de detenção ou prisão por ato administrativo ou por desobedecimento a uma ordem de limpeza pode não ser comum, mas não é um abuso legal. Tanto que a própria Justiça assim entendeu. Todavia, o pano de fundo que tais notícias revelam é uma discussão sobre a construção de controles de atividades. Quais atividades têm atenção institucional e por quê?

Analisando o arcabouço legal que rege as instituições militares de segurança pública, verifica-se que há um paradoxo do controle da atividade policial militar: a própria constituição do campo de segurança pública. O paradoxo se dá pela objetividade no controle de algumas atividades (principalmente internas) e pela subjetividade no controle de outras (principalmente externas). Ontologicamente, as personagens principais da constituição da Segurança Pública no Brasil se dão pelo imbricamento das instituições de controle externo (Forças Armadas) como atividade de policiamento e a formação das instituições policiais. Assim, a amálgama de militarismo com pulsão de controle de um lado e de perspectiva jurídica e garantia de alguns direitos de outro resultou em vácuos de controle de atividade dos agentes de segurança pública que são estrategicamente preservados na lógica paradoxal. Digo dos controles de agentes de segurança pública porque extrapola as duas instituições militares exemplificadas inicialmente.

Nas instituições militares, o controle disciplinar dos agentes é geralmente regulamentado pelo RDE ou algum documento similar. Esse documento, além de classificar comportamento, enumera 113 comportamentos indisciplinados como, por exemplo, de forma objetiva: falar língua estrangeira; promover ou assinar petições reivindicatórias; participar de manifestações reivindicatórias. Mas, também de forma subjetiva, como responder de maneira desatenciosa; faltar com respeito (por ação ou omissão) a símbolos institucionais, a superior ou a autoridade; desrespeitar, em público, as convenções sociais, entre outras condutas que são passíveis de repreensão, advertência, detenção ou prisão. Acrescento que o RDE preza que a avaliação da conduta segue como orientação o pundonor militar (que entendo como uma leitura da conduta a partir de uma “consciência coletiva ideal”).

Da mesma forma as condutas criminosas são tipificadas no Código Penal Militar (CPM), uma versão militar similar ao Código Penal. Entretanto, com destaques para a manutenção da hierarquia e da disciplina. No caso específico do PM punido, ele tentou argumentar que Ordem Absurda não se cumpre, que seria uma legitimidade para recusar ordem superior. Mas o que é absurda? Quem define? A responsabilidade de definir fica na esfera de quem julga e de quem recusou. Entende-se que a atividade militar é diferenciada e é necessária uma diferente do CPM. A Lei n. 13.491/2017 alterou o CPM e os crimes de policiais militares em serviço passaram a ser competência da Justiça Militar, mesmo que não sejam crimes tipicamente militares (insubordinação, motim, entre outros).

Assim, as ações policiais militares cotidianas que seriam analisadas pela “Justiça comum” agora também são objeto da esfera militar. Mas estes ritos também revelam que não há a mesma normatização das ações policiais quando comparada às ações disciplinares porque não há um Protocolo Operacional Padrão comum às instituições para as ações rotineiras, como por exemplo, a abordagem para pessoas em situação de rua. Não havendo a norma, os policiais militares utilizam os valores institucionais de manutenção do controle das pessoas e manutenção dos direitos. Eis a subjetividade. Havendo repercussão da ação policial, há um vácuo para a análise sem protocolos, sem parâmetros de risco, sem prioridades de ações, entre outras que orientariam a ação policial militar. Havendo essas orientações e o agente as seguindo, a responsabilidade é de quem as formulou e da instituição.

Como dito antes, esse vácuo está no rol normativo das polícias militares, mas também está presente nas outras instituições policiais, pois  a mesma lógica resguarda as especificidades de cada especialidade profissional. Ao contrário da vasta normatização disciplinar, há poucos códigos policiais ou não há uma padronização tão nítida em todas as instituições policiais, desde o ato de abordar, intervir em situações de risco à vida dos policiais e dos cidadãos e grandes incursões policiais. A intervenção do STF em normatizar quando “deve/pode” fazer uma operação policial (PM ou PC) no Rio de Janeiro demonstra a subjetividade até nas grandes operações planejadas. O que fundamenta a ação? O que regulamenta a ação?

Assim, o binômio Polícia Militar é um ápice simbólico do campo de segurança que traz consigo não só o tipo de estatuto que regula a instituição, mas também a lógica de controle da ação individualizada dos profissionais e da responsabilização da base em caso de erro visível. Isso é, a lógica de grande regulamentação de algumas atividades e vácuo legal em outras, pois sem a responsabilidade institucional não há a possível mudança das práticas individuais.

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