Perícia em evidência 22/11/2023

A história do diretor Geral de Polícia Civil envolvido em violência contra mulheres

De acordo com denúncia, Robson Cândido usou indevidamente o banco de dados do Detran e do DER, além de viaturas descaracterizadas, aparelhos telefônicos e linhas corporativas em diversas ações de perseguição contra duas mulheres

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O dia 25 de novembro foi escolhido como Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Uma efeméride que se faz necessária diante do desafio civilizatório relacionado ao tema da violência contra as mulheres.

A pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública intitulada Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, em sua 4ª edição, publicada no ano corrente, permite esmiuçar esse drama. Entre os dados dessa pesquisa, encontramos que 28,9% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência ou agressão, um contingente que alcança 18,6 milhões de vítimas. Dentre as modalidades de violência encontramos a perseguição, atingindo 13,5% das mulheres.

Coincidentemente no mês de novembro, no Distrito Federal, um caso relacionado a essa modalidade de violência causou grande repercussão, em especial em razão dos personagens envolvidos. O agressor: o então Diretor Geral de Polícia Civil do DF, Robson Cândido. Os detalhes do caso fazem com que adjetivos tais como “bizarro” e “surreal” soem até mesmo leves.

Embora o caso tenha repercutido intensamente no mês de novembro, quando no dia 4 ocorreu a prisão do delegado, já no mês de outubro tivemos a publicidade do início do enredo, uma vez que o então Diretor Geral da PCDF pediu sua exoneração do cargo em 03/10. Ele acabara de ser denunciado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher – DEAM, não apenas por uma, mas por duas mulheres, uma delas a esposa e outra uma mulher que se envolvera com o delegado em um relacionamento extraconjugal. Naquele momento o então Diretor-Geral passava a ser investigado por crimes de ameaça e agressão relacionados à lei Maria da Penha. Ambas deixaram a DEAM com solicitação de medidas protetivas contra o delegado.

Mas foi em novembro que o delegado foi preso em uma operação liderada pelo Ministério Público do DF e Territórios, envolvendo o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial, com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e do Centro de Inteligência do MPDFT. Na mesma operação foi preso também outro delegado: Thiago Peralva, que chefiava a 19ª  DP em Ceilândia-DF, teria inserido o número da mulher envolvida com Robson em uma interceptação telefônica em curso, que apurava crime de tráfico de drogas.

As investigações apontaram crimes de ameaça contra a esposa e os crimes de stalking, violência psicológica e ameaças contra a segunda mulher envolvida na trama. As acusações não se restringiram à questão pessoal que foi a motivação para o cometimento dos crimes, já que envolveram a própria corporação dirigida pelo delegado e ainda outros órgãos importantes. De acordo com a denúncia, Robson Cândido usou indevidamente o banco de dados de reconhecimento óptico de caracteres do Departamento de Trânsito (Detran) para obter dados de localização do veículo da mulher em Brasília. Ele fez o mesmo com o sistema do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). O delegado-geral teria ainda fraudado a inscrição da segunda mulher envolvida e a levado a um evento em que ela estaria credenciada como assessora da corporação. Viaturas descaracterizadas, aparelhos telefônicos e linhas corporativas foram empregados nas diversas ações de perseguição. Também ficou registrado nas apurações que o cargo ocupado pela vítima no Metrô fora obtido por influência direta do então diretor da PCDF. A denúncia feita pelo MPDFT atribuiu a Robson Candido envolvimento em grampo ilegal, peculato e corrupção passiva. Ele agora corre o risco de perder até mesmo sua aposentadoria preso (ele fora aposentado às presas ainda em outubro) em decorrência de investigação instaurada da Corregedoria da PCDF.

Mas e a perícia? Onde poderá ser inserida nesse caso? Inúmeras são as possibilidades associadas a perícias de informática, perícias em dispositivos (aparelhos celulares utilizados pelos envolvidos). Exames em diferentes sistemas podem também ampliar o número pessoas envolvidas, já que aqueles que efetivamente tiverem colaborado com seu login em sistemas utilizados poderão também responder criminalmente.

Não bastasse a situação sórdida que envolve os detalhes desse enredo, mais preocupante é a constatação de que uma máquina tão poderosa como a que permite ações de inteligência, interceptação telefônica e outros recursos tecnológicos possam estar a mercê de usos não previstos e não autorizados, executados por aqueles que tem em suas mãos o poder. Qual a garantia que existe que tal abuso não pode ser cometido, por exemplo, em questões de cunho político?

É preciso ampliar a discussão e tirar lições dessa ocorrência grave. Sobre o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, nada a comemorar a não ser a continuidade de uma luta no sentido de reduzir e eliminar essa violência tão desconectada com o verdadeiro sentido civilizatório da humanidade.

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