Tema da Semana

A César o que é de César

Análise cuidadosa das dinâmicas estaduais permite entender melhor a queda dos homicídios em 2021, com cinco estados sendo responsáveis por 64,8% da redução. Importante reconhecer que parte importante destes resultados se deve a diferentes governos estaduais que apostaram em políticas públicas de segurança baseadas em evidências

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Arthur Trindade M. Costa

Professor de Sociologia da UnB e membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na segunda-feira, 21, o Monitor da Violência divulgou os números de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) de 2021. Os dados são animadores e merecem ser comemorados. No ano passado, foram registrados 40.010 homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Uma queda de 7,5% em relação a 2020. É o menor número desde 2007 registrado pelo Monitor da Violência, uma parceria entre o site G1, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Núcleo de Estudos da Violência da USP.

O governo federal se adiantou em assumir a responsabilidade pelo resultado. Nas redes sociais, o presidente da República e outras autoridades federais correram a dizer que a queda era consequência da política de ampliação das armas de fogo. Esqueceram, entretanto, de lembrar que há uma tendência de queda verificada desde 2017. E que, em 2020, já na vigência da política armamentista do atual governo, o país registrou aumento de 4,1% em relação ao ano anterior.

Avaliar políticas públicas de maneira superficial, sem rigor metodológico, faz parte do discurso político. O governo Bolsonaro não é o primeiro e nem será o último a fazer isso. Cabe aos pesquisadores realizar boas análises baseadas em evidências e apoiadas em séries temporais longas. Afinal de contas, a queda das mortes violentas letais intencionais precisa ser entendida para que o desempenho possa ser repetido nos próximos anos.

A dinâmica das mortes violentas é complexa. Os estudos sugerem que as flutuações das taxas criminais dependem de fatores demográficos, econômicos, dinâmicas criminais e políticas públicas. Sem descartar o poder explicativo dos outros fatores, creio que devemos nos concentrar na análise das políticas públicas. Pois é o único sobre o qual podemos exercer controle direto.

A análise cuidadosa das dinâmicas estaduais permite entender melhor a flutuação das estatísticas criminais. Em 2021, foram registradas 3.023 mortes violentas a menos que em 2020. Cinco estados (CE, PE, GO, MG e RJ) responderam por quase 64,8% dessa redução. O padrão se repete em quase todos os anos. Poucos estados respondem por parte significativa da flutuação das taxas de mortes violentas registradas no Brasil.

Os casos do Ceará e de Pernambuco merecem destaque. Em 2021, eles responderam por 37,3% da queda das mortes violentas. Em 2019, quando o país registrou redução de 19,9%, os dois estados foram responsáveis por 30% dessa queda. O mesmo aconteceu em 2018, quando ambos estados responderam por 24,7% da redução das mortes violentas. Naquele ano o país apresentou 13% de redução nos registros de homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte.

O aumento da taxa de mortes violentas registradas no país também segue esse padrão. Em 2020, o Brasil apresentou aumento de 4,1% das mortes violentas. Os registros do Ceará e de Pernambuco tiveram impacto significativo nesse resultado. Sem os dois estados, a variação da taxa de mortes violentas teria sido praticamente zero. O mesmo aconteceu em 2016 e 2017, quando se verificou o aumento nas estatísticas de mortes de 3,3 e 2,1%, respectivamente.

Analisando a série histórica dos últimos 15 anos, verificamos que 13 estados têm apresentado redução consistente nas taxas de mortes violentas. Nesses estados, a redução das taxas de MVLI vem acontecendo ininterruptamente há pelo menos cinco anos. É o caso do AC, PA, RN, PE, SE, RJ, SC, RS e GO. Outros estados têm apresentado quedas ainda mais consistentes. Minas Gerais, Mato Grosso e Distrito Federal vêm registrando initerruptamente quedas nas taxas de mortes violentas há 8 anos. E há o caso extraordinário de São Paulo, que há 10 anos registra redução nos números destes tipos de ocorrência.

Tabela 1 – Crimes Violentos Letais Intencionais (2007-2021)

Fonte: Monitor da Violência

 

A consistência da redução das estatísticas de mortes violentas pode ser explicada pela adoção de políticas públicas de segurança voltadas para redução dos homicídios. Tais políticas baseiam-se em três elementos: na responsabilização dos comandantes e delegados-chefes, elaboração de indicadores e metas de desempenho e a criação de comitês gestores.

Como já escrevi no Fonte Segura, esse modelo de gestão é uma solução caseira para o problema crônico da falta de integração e da ausência de objetivos das políticas de segurança pública. Inicialmente o modelo foi adotado em São Paulo e Minas Gerais. Em função dos bons resultados alcançados, o modelo tem sido implantado em diversos estados, onde foi rebatizado como Pacto pela Vida, Estado Presente, Viva Brasília, Ceará Pacífico, RS Seguro e Paraíba Unida pela Paz.

A queda consistente das estatísticas de violência é resultado dos esforços de diferentes governos estaduais. Parte importante da redução das mortes violentas se deve aos governadores que apostaram em políticas públicas de segurança baseadas em evidências.  É importante esse reconhecimento. Precisamos dar a César o que é de César.

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