Perícia em evidência 18/06/2025

Cold Cases: onde a perícia reina absoluta

A taxa de resolução de homicídios no Brasil sempre foi um indicador preocupante, independentemente dos critérios utilizados na sua definição

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal

Um “cold case” ou “caso arquivado” refere-se àquele caso criminal não resolvido, ou, em outras palavras, uma investigação criminal que permanece sem solução por um período significativo. Não há um tempo padrão para que um crime seja considerado não resolvido ou arquivado, mas geralmente são três anos ou mais. Os investigadores seguem pistas, mas elas, quando não levam a nada concreto, deixam de ser pistas ativas e o caso esfria, como se diz no jargão policial. Muitas vezes os esforços investigativos já se esgotaram, mas o caso permanece aberto e sem solução.

O que pode reabrir um caso arquivado? Novas informações, como depoimentos de testemunhas, avanços forenses ou reexame de evidências têm o potencial de reacender o interesse e levar a uma resolução.

É aqui que a perícia se torna um elemento-chave. Avanços tecnológicos, como as novas técnicas de DNA forense, frequentemente conseguem não apenas reabrir, mas efetivamente solucionar casos desse tipo, alguns deles insolúveis por décadas. Mas não é apenas o método de DNA que pode ser empregado. Em relação a corpos nunca encontrados, é possível empregar métodos novos de buscas. Todas as áreas forenses podem ajudar de alguma forma nesses casos. O trabalho pericial, aliado a revisões das evidências e novas pistas, acaba muitas vezes “matando a charada”.

Alguns desses casos são mesmo emblemáticos e periodicamente voltam ao noticiário e ganham manchetes. É o que acontece com o caso da menina britânica Madeleine McCann, que desapareceu em 2007 na região do Algarve, sul de Portugal, numa praia, a da Luz, quando estava com sua família desfrutando de férias. Seu corpo nunca foi encontrado e seu paradeiro jamais revelado. O suspeito oficial é um cidadão alemão chamado Christian Brueckner, embora ele negue todas as acusações. No início desse mês, a polícia portuguesa e o Ministério Público voltaram a empreender buscas, dessa vez empregando radares especiais (chamados radares de penetração de solo, ou GPR – Ground Penetrating Radar), operados por peritos, que buscam vasculhar alvos apontados pela investigação. Máquinas retroescavadeiras também estão sendo utlizadas. A imprensa portuguesa informou que foram recolhidos, numa das várias casas nas ruínas da região, vestígios que serão analisados ​​em laboratórios forenses.

Algumas agências de investigação pelo mundo tomaram iniciativas relativas à criação de unidades especializadas em casos arquivados. Dentre elas o FBI, por exemplo, que desde 2006 conta com estratégias para investigar homicídios motivados por racismo cometidos há décadas, além de investigações de crimes de ódio, abusos da lei por funcionários públicos e violações dos direitos civis. Em 2011 uma unidade especializada foi criada. Entre os casos resolvidos, um que foi divulgado há cerca de um mês serve como exemplo: um ex-soldado norte-americano foi acusado pela morte de uma mulher, ocorrida em 1977, na Califórnia. Na época, a polícia chegou a coletar impressões digitais e amostras de DNA da cena do crime, mas o criminoso não foi identificado. As melhorias nos bancos de dados do FBI colaboraram para a solução do crime 48 anos depois. No ano passado, os investigadores decidiram fazer uma nova checagem de todas as impressões digitais encontradas na cena do crime, confrontadas com banco de dados atualizados do FBI. Assim eles encontraram uma correspondência que depois se confirmou com outro “match“, desta vez por exame de DNA. O material genético do suspeito foi encontrado nas amostras arquivadas de material genético colhido nas unhas da vítima.

No Brasil temos alguns casos que notoriamente têm sido considerados não resolvidos, não necessariamente porque não tivessem suspeitos e até mesmo condenados, mas por razões relacionadas a controvérsias que extrapolaram o final das investigações e do próprio processo, como o caso PC Farias, o caso Isabella Nardoni e o caso do Maníaco do Parque, em São Paulo. Tais casos certamente nunca serão totalmente esclarecidos em todos seus detalhes e as razões são muitas, ligadas ao processo investigativo.

Nos Estados Unidos não faltam exemplos: o caso da Dália Negra, assassinato não resolvido de Elizabeth Short em 1947. É  um caso que fascina o público há décadas, assim como o não menos famoso caso do Assassino do Zodíaco, um serial killer que aterrorizou a área da Baía de São Francisco no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Dois temas correlacionados à questão dos casos arquivados no Brasil e que merecem consideração são a taxa de resolução de homicídios e o tema dos desaparecimentos. A taxa de resolução de homicídios no Brasil sempre foi um indicador preocupante, independentemente dos critérios utilizados na sua definição. Estimativas indicam que apenas cerca de 35% dos casos são esclarecidos, ou seja, 2 em cada 3 casos ficam sem solução. Já os desaparecimentos de pessoas alcançaram em 2023 um valor acima de 80 mil registros, dos quais muitos certamente estarão relacionados a homicídios e ocultações de corpos. Portanto, nossos “cold cases” são mais abundantes até que os casos resolvidos! Temos muito trabalho pela frente!

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