Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 31/07/2024

Novas perspectivas para o setor da segurança privada

Após estagnação, o setor retoma postos de trabalho perdidos na última década

Compartilhe

Jeferson Nazário

Presidente da Fenavist

Um pequeno passo, um respiro, um alívio momentâneo. A segurança privada brasileira voltou a registrar números positivos de geração de empregos. Após quase uma década registrando números negativos, o setor começa a recuperar o fôlego. Mais uma vez fica comprovado que o crescimento do setor da segurança privada acompanha o da economia. Com um peso significativo no PIB, da ordem de 70%, o setor de serviços foi o que mais registrou crescimento, sendo responsável por 2,4 pontos percentuais da elevação total do PIB no ano.

Com alta de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2023, o Brasil volta a figurar entre as maiores economias do mundo, ocupando a nona colocação. Há projeções que indicam que o país pode chegar ao oitavo lugar em breve. Os números do primeiro trimestre deste ano indicam que o setor de serviços continua em trajetória positiva, com crescimento de 1,4% no primeiro trimestre.

Diante desse cenário, pela primeira vez desde 2018, a segurança privada voltou a contratar mais do que demitir nos últimos doze meses. Em maio deste ano, segundo dados da Polícia Federal, órgão que regulamenta e fiscaliza a atividade, 530.194 vigilantes atuavam regularmente. Trata-se de um aumento de 9,3% em relação ao registrado em 2023. Desse total, 505.862 atuam nas empresas privadas. Os outros 24.332 estão empregados em empresas orgânicas.

Mas é importante destacar que, mesmo com o crescimento registrado nos últimos 12 meses, o número de postos de trabalho é bem menor do que o registrado em 2015. Naquele ano, 631.028 estavam empregados. A partir daí, com exceção de 2018, até então, todos os anos que se seguiram registraram queda no número de vagas.

Ainda segundo os dados da PF, 4.978 empresas estão autorizadas a funcionar no país. Houve crescimento de 3,6% em relação a 2023. São 3.089 empresas privadas e 1.889 orgânicas, ou seja, companhias que não têm a segurança privada como atividade principal, mas se submetem às regras da Polícia Federal para gerir a sua própria segurança.

Assim como ocorreu em 2023, houve aumento no número de escolas de formação de acordo com a Associação Brasileira de Cursos e Aperfeiçoamento de Vigilantes (ABCFAV). No início de maio deste ano, 356 estabelecimentos estão autorizados pela PF, contra 328 no ano passado. Um crescimento de 8,5%.

Foi registrada alta ainda na quantidade de profissionais aptos a trabalhar como vigilantes. Um total de 799.117 pessoas estão com o curso atualizado, 3% a mais do que no ano passado. Além disso, 2.516.674 estão com o curso vencido. São números que mostram o potencial do mercado.

Quando se analisa o perfil dos profissionais em atividade, dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que 87% são do sexo masculino. Praticamente 68% têm entre 30 e 49 anos. Os vigilantes com mais de 50 anos somam 21%, proporção 1,2 ponto percentual maior que a do ano anterior. Crescimento semelhante (diferença de 1,4 ponto percentual) foi registrado quando se observa a parcela de profissionais com ensino médio completo, que representam 77,4%. Outros 3% possuem curso superior completo. É uma demonstração clara da evolução da atividade que emprega trabalhadores com grau de escolaridade acima do exigido por lei.

Tecnologia incentiva mudanças

Os dados mais recentes da Polícia Federal também apontam para a influência cada vez maior de novas tecnologias no mercado. Desde 2021, o número de carros-fortes caiu cerca de 7,9%. Eram 4.598 três anos atrás. Agora, somam 4.236. No mesmo período, a quantidade de veículos leves utilizados na atividade de transporte de valores caiu 11%, passando de 1.001 para 892. As estatísticas mostram uma tendência de mudança nos serviços prestados pelas transportadoras de valores.

A evolução acompanha a mudança nas formas de pagamentos. Se até há pouco tempo a utilização do papel-moeda imperava, o surgimento de novas tecnologias criou formas de transações eletrônicas.

Estudo da Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) aponta que, em 2023, o dinheiro em espécie só aparecia entre as três principais formas de pagamento em aplicativos de transporte, com 17% de participação. Em lojas físicas e online, além de aplicativos de refeição, a predominância é de cartões (crédito e débito) e do que parece ser o novo queridinho da população, o Pix.

Ainda de acordo com o levantamento da ABTV, em 10 anos, o valor pago em compras em papel-moeda caiu praticamente pela metade. Passou de R$ 2,614 trilhões para R$ 1,368 trilhão.

Essa evolução é confirmada por estatísticas do Banco Central analisadas pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). No ano passado, foram quase 42 bilhões de transações via Pix, alta de 75% em relação a 2022. As transações do Pix superaram as de cartão de crédito, débito, boleto, TED, DOC, cheques e TEC no Brasil, que, juntas, somaram quase 39,4 bilhões.

Diante desse cenário, as empresas de transporte de valores têm buscado diversificar os serviços oferecidos, sempre incorporando novas tecnologias. É o caso, por exemplo, dos cofres inteligentes, que reduzem a quantidade de vezes na semana em que a transportadora precisa recolher o numerário do cliente, além da execução de todo serviço de tesouraria.

Mas as empresas de transporte não são as únicas a investir em tecnologia. A segurança privada é uma atividade de vanguarda no quesito inovação. A inteligência artificial já é uma realidade e tem as suas funcionalidades aplicadas não apenas na questão da proteção, mas também no gerenciamento das companhias.

É o caso da escolta armada, que busca o que há de mais moderno para evitar prejuízos que, segundo estimativas, podem chegar a R$ 2 bilhões de reais anuais. A importância desse serviço com a retomada econômica fica evidenciada com o crescimento do número de veículos empregados na atividade. Em 2021, eram 3.517. Em maio deste ano, 3.873, o que significa alta de 10%.

Potencial desperdiçado

Apesar do primeiro passo para frente após vários anos, o potencial da segurança privada brasileira em geração de empregos não é totalmente explorado, e os benefícios que poderiam ser proporcionados ao país ficam aquém do desejável. Se a economia brasileira volta a figurar entre as dez maiores do mundo, a nossa segurança privada não acompanha esse progresso.

Grande parte da culpa recai sobre o chamado custo Brasil e de decisões políticas que não fazem nenhum sentido prático. Uma das grandes incoerências é o fato de a atividade não estar entre os setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamento. Trata-se de um benefício que faz muita diferença para segmentos em que os serviços oferecidos dependem predominantemente de mão de obra.

Antes de mais nada, quero deixar claro que não questionamos a legitimidade da medida. Em um país em que a carga tributária é uma das mais altas do mundo, redução de imposto é fundamental para tornar nossas empresas competitivas. Os 17 setores da nossa economia beneficiados, que supostamente mais empregam no Brasil, em vez de pagarem 20% sobre a folha de cada funcionário, pagam de 1% a 4,5% da receita bruta da empresa. Notadamente uma grande diferença. O que nos chama a atenção e causa estranheza é o fato de a segurança privada, que emprega cerca de 500 mil pessoas diretamente, não ser contemplada.

A premissa da desoneração, em vigor desde 2012, é a de preservar empregos e gerar novas vagas de trabalho. Nosso segmento, assim como outros em que a mão de obra é o principal ativo, não está entre os beneficiados. Na última década, a segurança privada perdeu cerca de 200 mil postos de trabalho. Ou seja, se tivesse a sua importância reconhecida, grande parte dessas demissões poderia ter sido evitada.

Outra questão importante se refere aos critérios utilizados para definir quem deve ser beneficiado. Não haverá isonomia enquanto a segurança privada e outros setores de mão de obra não fizerem parte da lista. O próprio governo, que tem travado uma “guerra” com os setores beneficiados e o Congresso Nacional, questiona a regra.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em setembro do ano passado, aponta que “os desonerados cortaram vagas de trabalho formais entre 2012 e 2022 e não figuram entre os que mais empregam”.

Volto a dizer. A segurança privada não é contrária à desoneração. Pelo contrário, defendemos qualquer medida que reduza a gigantesca carga tributária do país. O que pedimos é isonomia e que a desoneração seja estendida, de fato, aos setores que mais empregam e que mais utilizam mão de obra, caso do setor da segurança privada.

Estatuto da segurança privada

Outra importante questão que tem se arrastado há mais de uma década e trava o crescimento e a geração de postos de trabalho é a aprovação do Estatuto da Segurança Privada. A Lei 7.102/83, que rege a segurança privada no Brasil, está em vigor há mais de 40 anos e não acompanhou a modernização do setor. Por conseguinte, encontra-se totalmente defasada.

A Polícia Federal, como órgão fiscalizador, também se ressente de uma lei mais moderna e atual como meio para coibir e criminalizar com maior rigor a clandestinidade, principal “câncer” da atividade. Estima-se que o número de companhias clandestinas que atuam no setor corresponda quase ao dobro das legalizadas, o que evidenciaria a chamada concorrência predatória.

Calcula-se que os serviços clandestinos movimentem mais de R$ 60 bilhões por ano, valor que escapa também ao recolhimento de tributos. Em quase todos os casos, há ainda violação flagrante dos direitos trabalhistas por meio de postos informais de trabalho, com pessoas totalmente despreparadas e sem formação para exercer a função de vigilante.

Como essas empresas não são fiscalizadas pela PF, os equipamentos utilizados nesse tipo de segurança podem ser oriundos de outras atividades ilegais, como armas e munições de origem irregular ou contrabandeadas.

As empresas também são obrigadas a proteger instituições financeiras, patrimônios e pessoas, com uma regulação que não condiz com a realidade atual e a modernidade no uso de novas tecnologias aplicadas na segurança privada. Um exemplo claro é a falta de total regulamentação da segurança eletrônica no país, o que permite que empresas ilegais explorem este mercado sem qualquer controle.

No aguardo da votação final pelo Senado Federal desde 2016, a nova lei para o setor da segurança privada no país é fundamental e urgente para o crescimento e desenvolvimento deste setor tão importante para a sociedade como um todo. Uma nova legislação, moderna e atual, que venha a dar sustentabilidade ao setor da segurança privada no sentido de superar a criminalidade que avança, inclusive com armamentos pesados e inovações tecnológicas contra instituições financeiras, empresas de segurança privada e cidadãos brasileiros.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES