Um raio-X das forças de segurança pública do Brasil
Estudo Raio-X das forças de segurança pública do Brasil, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz dados sobre efetivos, cargos, salários e diversidade de gênero nas corporações e mostra o encolhimento dos efetivos das PMs e crescimento das Guardas Civis Municipais ao longo da década
Renato Sérgio de Lima
Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
David Marques
Coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O efetivo de profissionais nas forças de segurança pública no país chegou a 796.180 profissionais em 2023. É isso o que aponta o Raio-X das Forças de Segurança Pública do Brasil, estudo divulgado nesta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os profissionais do setor estão divididos em 1.595 instituições, que incluem as Polícias Militares, Polícias Civis, Corpos de Bombeiros Militares, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Técnico-Científicas, Polícias Penais estaduais e federal, Polícias Legislativas e Guardas Civis Municipais.
E por que é importante falar em efetivos e carreiras das instituições de segurança pública? Estamos acostumados a destacar a dinâmica do crime e da violência, mas falamos pouco sobre os aspectos relacionados ao modelo de governança do sistema, que passa obrigatoriamente pelo debate sobre efetivos, cargos e salários das forças de segurança. Se não falarmos de gestão pública e de pessoas, não há política de segurança que consiga vencer os desafios atuais postos pelo fortalecimento das organizações criminosas e pelo medo da população ante o crime e a violência. Assim como não há como falar em valorização profissional.
Neste sentido, o FBSP conduziu este estudo que joga luz sobre um conjunto de questões associadas com a gestão e a governança do sistema de segurança pública brasileiro, com o objetivo de qualificar o debate. Foi interessante notar, por exemplo, que o efetivo das PMs foi reduzido em 6,8% ao longo da última década – em 2013, havia 434.524 policiais militares na ativa no país, número que caiu para 404.871 em 2023 -, ao mesmo tempo em que aumentou em 36% o número de cidades com Guardas Municipais, num total de 1.467 corporações do gênero. No caso da Polícia Civil e das Perícias Técnicas, a queda foi de 2%, passando de um efetivo de 116.169 profissionais em 2013 para 113.899 em 2023. Hoje existem no Brasil 95.175 guardas municipais, número inferior apenas ao de policiais militares e policiais civis. O Rio de Janeiro é o estado com a maior incidência de municípios com Guarda Municipal: 90%; o Acre, por outro lado, não tinha uma única Guarda Municipal instituída em 2023.
Tendo em vista essas informações, cabe questionar se os profissionais de segurança pública são remunerados de forma adequada. Para avançar nesta análise, o estudo comparou a remuneração dos profissionais da segurança pública do Brasil com a de outros países, a partir do poder de compra em dólar. O FBSP avaliou os salários em outros sete países: Alemanha, Estados Unidos, Chile, Canadá, França, Inglaterra e Portugal. Em todos os cenários, a remuneração média dos trabalhadores brasileiros foi inferior aos proventos dos profissionais de outras nações. No caso da França, o salário é até 78% maior que a média recebida pelos brasileiros e nos Estados Unidos, 39,7% superior. No caso norte-americano, chama a atenção, ainda, que as forças policiais são compostas por 30,5% de funcionários civis e 69,5% por policiais.
Por outro lado, ao se proceder a uma análise do peso dos servidores da área de segurança pública nos orçamentos públicos dos executivos, encontramos que, na média nacional, os servidores da ativa da área de segurança pública nos estados e Distrito Federal correspondem a 23% do total de servidores públicos, mas seu peso na folha de pagamento é de 31%. Isto é, os policiais ganham mais em média na comparação com os salários percebidos pelos demais servidores públicos dos executivos estaduais: R$ 9.023,79 nas polícias civis, militares, penais, Bombeiros e peritos contra R$ 5.978,31 dos demais servidores de carreiras estaduais e do DF.
E há mais. Esta média salarial oculta significativas discrepâncias de remuneração no interior das corporações, com destaque para os militares estaduais. Em média, um coronel recebe 4,6 vezes mais do que um soldado PM, tendo em vista que a remuneração bruta média dos soldados, menor hierarquia da corporação, é de R$ 6.358,61, enquanto a remuneração bruta média dos coronéis é de R$ 29.033,46. O menor salário bruto médio é de um soldado da PM do Rio Grande do Norte, com R$4.050,88. Ficam evidentes, portanto, os grandes desafios de gestão dos salários no setor.
A partir deste quadro, outra questão se coloca: como saber se esse efetivo de profissionais de segurança pública é suficiente para os desafios do país? Hoje o país não possui balizas legais e institucionais para orientar a reposição de quadros nas corporações de segurança, por meio de concursos públicos, ao mesmo tempo em que possibilita a formação adequada desses policiais.
De modo geral, quando se olha para os efetivos previstos ou fixados pelas polícias civis e militares, o déficit de profissionais alcança o patamar de 236 mil policiais, em números absolutos, sendo 56 mil trabalhadores apenas da Polícia Civil. Esta corporação tem hoje apenas 63% das vagas previstas preenchidas, o que sem dúvida prejudica as investigações criminais, ainda mais se levarmos em conta que parte desse efetivo também é alocado em funções administrativas.
Nas PMs, a lacuna é pouco menor: 69% das vagas encontram-se preenchidas. Em ambos os casos, cabe ressaltar que os critérios para definição dos efetivos não são objetivos o suficiente. Esse é um dos problemas que poderiam ter sido resolvidos em 2023, em meio às discussões sobre as Leis Orgânicas das Polícias Civis e Militares. As UFs que mais perderam efetivo da PM na década foram o Distrito Federal (31,5%), Rio Grande do Sul (22,5%), Paraná (19,4%), Santa Catarina (16,9%), Pernambuco (16,9%), Amapá (16%), Minas Gerais (13,7%), Amazonas (10,8%), Goiás (10,7%), São Paulo (8,9%), Tocantins (7,8%), Rondônia (7,2%) e Espírito Santo (7,1%).
O estudo mostra ainda que o percentual de mulheres nas instituições militares da segurança pública é historicamente muito baixo, com somente 12,8% do efetivo das PM estaduais composto por mulheres. Isso significa dizer que a representação feminina nas Polícias Militares é ainda menor do que na Câmara dos Deputados, atualmente de 14,81%. No Corpo de Bombeiros, 14,5% do efetivo é formado por mulheres. Nas Guardas Municipais, 16,1% do efetivo são compostos por mulheres. As organizações com maior representação feminina são as Polícias Civis, com 27% de seus quadros ocupados por mulheres. Trata-se de dados que demonstram a importância de avançarmos na discussão sobre diversidade de gênero nas instituições policiais que tanto poderia contribuir com iluminação de novas prioridades para atuação policial e com a qualificação da prestação de serviço oferecida à população.
A elevação do gasto previdenciário talvez seja uma chave para o entendimento da queda dos números absolutos de profissionais da segurança pública em ação. O estudo identificou 352.642 servidores inativos da segurança pública, na soma de 25 das 27 Unidades da Federação, mais os servidores federais. Uma parcela de 73% está ligada às polícias militares; 14% vinculam-se às polícias civis. Enquanto policiais e demais profissionais da segurança pública das carreiras estaduais e distrital correspondem a 22% de todos os inativos, a parcela de suas remunerações equivale a 33%. A remuneração bruta mensal média dos servidores estaduais inativos da segurança pública é de R$ 11.484,05, 86% maior do que a remuneração média dos servidores das demais áreas, que é de R$ 6.155,84.
É difícil imaginar um cenário no qual tenhamos redução em nossos indicadores de criminalidade e violência sem que qualifiquemos nossas instituições de segurança pública e valorizemos adequadamente os profissionais destas instituições. Neste sentido, dados como os deste Raio-X contribuem ao lançar luz sobre esse conjunto de questões e demonstram a importância de aprofundarmos esse debate que, tradicionalmente, possui pouca visibilidade no país.