Leonardo de Carvalho
Doutor em Planejamento Urbano pelo IPPUR/UFRJ e Pesquisador Sênior do FBSP
O ambiente virtual vem se tornando cenário de um número cada vez maior de crimes que vão desde ameaças e bullying a estelionatos e crimes cibernéticos que geram bilhões de reais de prejuízo à sociedade. Segundo dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 foram quase dois milhões de estelionatos no Brasil, um aumento de 8,2% em relação a 2022, sendo que aproximadamente 12% ocorreram em meio eletrônico. Essa proporção pode ser bem maior porque Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo não informaram quantas ocorrências de estelionato, diante do total, se deram em meio eletrônico. Tal aumento contrasta com a diminuição de roubos verificada no período. O gráfico abaixo demonstra como essa tendência vem sendo reforçada desde 2018:

Fonte: Anuário FBSP 2024, disponível em: 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública: 2024
Em pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Datafolha, os prejuízos estimados em decorrência de crimes virtuais e de roubos de celulares ultrapassaram R$ 186 bilhões no período de julho de 2023 a julho de 2024. Mais de 80 milhões de pessoas no Brasil foram vítimas de golpes/fraudes virtuais, resultando em quase R$ 40 bilhões em prejuízos (lembrando que a pesquisa não contemplou empresas, somente pessoas físicas).
A diversidade e a complexidade dos golpes aplicados demonstram que quadrilhas vêm se especializando nesse tipo de crime, utilizando técnicas sofisticadas como criação de ambientes virtuais falsos, engenharia social hiperpersonalizada etc. Para isso são empregadas ferramentas desenvolvidas para esse fim, bem como soluções de Inteligência Artificial para burlar as camadas de segurança e enganar pessoas.
O resgate recente de dois brasileiros que foram enganados com falsas promessas de emprego e acabaram escravizados em Mianmar, obrigados a praticar crimes virtuais[1], revela que os crimes e golpes virtuais mobilizam grupos com atuação em escala global. Essas quadrilhas mapeiam e abordam as vítimas, muitas vezes selecionadas em cadastros e bases de dados que contêm informações pessoais adquiridas ilegalmente.
Para dar conta de prevenir novos golpes, identificar quadrilhas e responsabilizar seus membros, temos um longo caminho a percorrer. É preciso adequar a legislação à nova realidade, prevendo e tipificando os crimes e fraudes cibernéticos; as instituições do sistema de justiça e segurança pública devem ser reestruturadas. Faz-se necessária a criação de laboratórios digitais para investigação e produção de provas. Os agentes precisam passar por capacitações para que possam operar nesse novo ambiente. É fundamental, ainda, ampliar a capacidade fiscalizatória do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão cuja missão é produzir inteligência financeira e supervisionar setores econômicos para proteção da sociedade contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa. Para que as instituições trabalhem em parceria, faltam acordos interagências para compartilhamento de dados e protocolos de atuação em conjunto. Do contrário, ficarão restritas aos limites jurisdicionais.
Sabemos o quão difícil são essas adequações no ambiente público. Mesmo que, num cenário atual todas elas se tornassem realidade, o ente público não daria conta de, sozinho, obstar os crimes/fraudes virtuais. Parcerias com instituições privadas são fundamentais pois, ao fim e ao cabo, instituições financeiras, grandes marketplaces e empresas são diretamente impactadas pela atuação dessas quadrilhas e precisam, além de criar camadas de segurança para as pessoas usuárias, impulsionar a atuação do poder público. O risco de se manterem inertes nesse cenário é o de terem suas receitas reduzidas, pois um ambiente virtual inseguro acaba caindo o número de operações, compras e transferências.
Como a quantidade de pessoas acessando serviços no ambiente digital não deve diminuir nos próximos anos, temos um cenário que demanda ações dos entes públicos e das empresas privadas. Cada um desenvolvendo soluções e ferramentas, acumulando conhecimento para evitar a ação dessas quadrilhas e a vitimização da população. Algumas boas ações já estão operando nesse sentido, como, por exemplo, o Sistema Tentáculos, da Polícia Federal, que centraliza todas as notícias-crime de fraudes em um repositório único de dados, que são compartilhados para diferentes agências realizarem suas investigações. Também temos os acordos de cooperação técnica, como o que foi assinado entre o Ministério da Justiça e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para a capacitação de agentes públicos e parceiros e o mapeamento dos principais casos de fraudes, golpes e crimes cibernéticos que vão pautar atividades específicas, além da produção de materiais para conscientização e letramento digital da população e da formulação de diretrizes para o adequado tratamento das vítimas na esfera civil.
Diante desse cenário, é importante que a população adote hábitos para prevenir os crimes virtuais, tais como as medidas de segurança para prevenção de crimes em meio físico que vemos propagadas. Governo, empresas e sociedade precisam se adequar a essa nova realidade.